Não me restam dúvidas de que minha casa é um lar de harmonia,
singular e único. Como é bom voltar, como é bom chegar e me aconchegar nos
gatos e Lispector. Alguns desesperos jamais passam pelo portão. Nas ruas
descaracterizo-me um pouco, mas aqui, na profundidade da minha solidão, ouvindo
e vendo a chuva pela janela, percebo minha subjetividade: sou sensível, muito
para quem está imersa na ciência, mas o suficiente enquanto poeta. Meu lar abriga
a mim e aos bichos, se eu desejo me comunicar, devo miar, latir ou escrever.
Poderia ficar dias sem falar uma só palavra, só degustando Gil, Bethânia e
vinhos da melhor safra de São José dos Pinhais. Quando volto para casa dá
vontade de hibernar e de, novamente, poder amar algum ser da mesma espécie. A
água pura que num esforço surge, e que sai tão fresca do filtro de barro,
purifica todas as águas que bebi durante o dia. A falta de olhos humanos supre
todos os que vi e que me viram, exageros modernos, urbanos. Quando, no meu lar,
silencio o coração, até tenho a impressão de que a vida pode ser boa para
todos, como é para mim, mesmo num espectro de solidão. Solidão que já disse,
disfarçada, típica de uma mulher que por algum motivo foi magoada, e que agora
só deseja a paz do lar, dos bichos, da música, livros. No meu lar só falta uma
floresta que o proteja, adoraria resolver isso com um “assim seja”, mas isso
apenas figura meus sonhos, meus desejos.
Nem sempre quero ficar escondida, mas quase sempre, nem sempre quero
ninguém, ainda mais quando chove dentro e fora de mim, mas parece que pra mim
só tem ninguém, só tem o além amor, o além poesia e, claro, meu lar.
